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terça-feira, 7 de junho de 2011

Geopolítica dos EUA

Geopolítica dos EUA

O principal “geoestrategista” norte-americano do século XX, nasceu em Amsterdam, em 1893, e morreu nos Estados Unidos, em 1943. Era de origem holandesa, mas fez seus estudos superiores na Universidade da Califórnia, e foi professor da Universidade de Yale, onde dirigiu o seu Instituto de Estudos Internacionais, entre 1935 e 1940. Morreu ainda jovem, com 49 anos, e deixou apenas dois livros sobre a política externa norte-americana: o primeiro, America’s Strategy in World Politics, publicado em 1942, e o segundo, The Geography of the Peace, publicado um ano depois da sua morte, em 1944. Dois livros que se transformaram na pedra angular do pensamento estratégico norte-americano de toda a segunda metade do século XX, e do início do século XXI.

Nicholas Spykman não foi um cientista, foi um “geopolítico” e a geopolítica não é uma ciência, é apenas uma disciplina que estuda a relação entre o espaço e a expansão do poder, antecipando e racionalizando as decisões estratégicas dos países que exercem poder fora de suas fronteiras nacionais. É por isto, aliás, que só existe produção geopolítica relevante, nas chamadas “grandes potências”, e cada uma delas tem sua própria “escola geopolítica”, com suas preocupações, objetivos e racionalizações específicas. Como no caso clássico da “escola geopolítica alemã”, de Friederich Ratzel e Karl Haushofer, com a sua teoria do “espaço vital” e do “pan-germanismo”, que serviu de ponto de partida para explicar a “necessidade geográfica” de expansão alemã, na direção da Europa Central, e da Rússia/União Soviética. Ou também, como no caso da “escola geopolítica inglesa” de Halford Mackinder, com sua famosa tese de que “quem controla o “coração do mundo”( situado mais ou menos entre Berlim e Moscou), controla também a “ilha mundial” (a Eurásia), e quem controla a “ilha mundial” controla o mundo”. Teoria que serviu de base para justificar a política externa britânica durante todo o século XX, e seu permanente veto e bloqueio de qualquer aliança entre a Alemanha e a Rússia/União Soviética.

Dentro desta tradição, não há dúvida que Nicholas Spykman foi o pai da “escola geopolítica norte-americana”. Ele partiu das idéias de Halford Mackinder, mas modificou sua tese central: para Spykman, quem tem o poder mundial não é quem controla diretamente o “coração do mundo”, é quem é capaz de cercá-lo, como os Estados Unidos fizeram durante toda a Guerra Fria, e seguem fazendo até os nossos dias. Spykman escreveu seus dois livros antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, e por isto chama atenção a sua capacidade genial de prever o que aconteceria depois da guerra, tanto quanto a semelhança entre suas propostas estratégicas e a política externa que os Estados Unidos adotaram efetivamente, durante a segunda metade do século XX, na Europa, Ásia e América.

Em 1942, Nicholas Spykman defendeu a necessidade de uma aliança estratégica e de uma hegemonia conjunta, anglo-americana, para “gerir o mundo” depois do fim da Guerra, como de fato ocorreu, em São Francisco, em Bretton Woods, e na formulação da Doutrina Churchill-Truman da “cortina de ferro”. Além disto, Spykman defendeu a necessidade de que os Estados Unidos reconstruíssem e protegessem a Alemanha, depois da guerra, para facilitar a “contenção” da União Soviética, como aconteceu durante toda a Guerra Fria. E defendeu também a necessidade de reconstruir e proteger o Japão, para enfrentar a ameaça futura da China, que era na época o principal aliado asiático dos Estados Unidos. Por fim, Spykman se opôs ao projeto da unificação européia, e defendeu a manutenção do equilíbrio de poder europeu, tutelado pelos Estados Unidos, como vem acontecendo cada vez mais, depois da queda do Muro de Berlim.

E com relação à América, o que foi que previu e propôs Nicholas Spykman? Sobre este ponto, chama a atenção o grande espaço que ele dedica na sua obra à discussão da América Latina, e em particular, à “luta pela América do Sul”. Ele parte de uma separação radical, entre a América dos anglo-saxões e a América dos latinos. Nas suas palavras “as terras situadas ao sul do Rio Grande constituem um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos. E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina do continente tenham que ser chamadas igualmente de América, evocando uma similitude entre as duas que de fato não existe”(p:46). (1)

Em seguida, ele propõe dividir o “mundo latino” em duas regiões, do ponto de vista da estratégia americana, no sub-continente: uma primeira, “mediterrânea”, que incluiria o México, a América Central e o Caribe, alem da Colômbia e da Venezuela; e uma segunda que incluiria toda a América do Sul, abaixo da Colômbia e da Venezuela. Feita esta separação geopolítica, Spykman define a “América Mediterrânea como uma zona em que a supremacia dos Estados Unidos não pode ser questionada. Para todos os efeitos trata-se um mar fechado cujas chaves pertencem aos Estados Unidos. O que significa que o México, Colômbia e Venezuela (por serem incapazes de se transformar em grandes potências), ficarão sempre numa posição de absoluta dependência dos Estados Unidos” (p: 60).

Donde, qualquer ameaça à hegemonia americana na América Latina deverá vir do sul, em particular da Argentina, Brasil e Chile, a “região do ABC”. Nas palavras do próprio Spykman: “para nossos vizinhos ao sul do Rio Grande, os norte-americanos seremos sempre o “Colosso do Norte”, o que significa um perigo, no mundo do poder político. Por isto, os países situados fora da nossa zona imediata de supremacia, ou seja, os grandes estados da América do Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar contrabalançar nosso poder através de uma ação comum ou através do uso de influências de fora do hemisfério” (p:64) E neste caso, conclui: “uma ameaça à hegemonia americana nesta região do hemisfério (a região do ABC) terá que ser respondida através da guerra”. (p: 62). O mais interessante é que se estas análises, previsões e advertências não tivessem feitas por Nicholas Spykman, pareceriam bravata de algum destes populistas latino-americanos, que inventam inimigos externos e que se multiplicam como cogumelos, segundo a idiotia conservadora.





(1) Spykman, N. , “America’s Strategy in World Politics", Harcourt, Brace and Company, New York,1942



Na folha da CIA?

O delegado Daniel Lorenz deixou a Secretaria de Segurança

do Distrito Federal sob a suspeita de integrar um esquema

para difamar a comunidade árabe.

Ao pedir demissão do cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, em 19 de abril, o delegado federal Daniel Lorenz alegou não suportar “interferências políticas” na sua pasta. Lorenz estava havia apenas quatro meses no cargo. Fora indicado ao governador Agnelo Queiroz, do PT, pelo ex-diretor-geral da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa. O governador petista não se mexeu, é fato, para impedir que o trabalho de Lorenz, ex-chefe do Serviço Antiterrorismo (Santer) e ex-diretor de Inteligência da PF, fosse atrapalhado pelo histórico conflito corporativo das polícias Civil e Militar de Brasília, nem pelas bancadas policiais que se digladiam na Câmara Distrital. Deixou o secretário cair de podre, mas tinha um motivo para tanto.

Lorenz não sabia, mas logo depois de indicado para o cargo, aliados petistas e da base do governo federal no Congresso Nacional fizeram chegar a Queiroz uma série de informações sobre as ligações do delegado com a CIA e com o ex-governador José Roberto Arruda, defenestrado do cargo, em 2009, por ter se metido no maior esquema de corrupção já documentado na história do Brasil.

Queiroz foi avisado tardiamente que em 2008, também por indicação de Corrêa, Arruda havia tentado se blindar de investigações federais ao nomear o delegado federal Valmir Lemos, atual superintendente da PF no Rio de Janeiro, para a secretaria. À época, o ex-governador estava apavorado por conta da Operação Satiagraha, de julho daquele ano, na qual imaginava ter sido filmado e grampeado em conversas com Durval Barbosa, o delator do esquema de corrupção brasiliense apanhado na Operação Caixa de Pandora, realizada a partir de uma investigação do Ministério Público Federal, um ano depois. Mesmo sob suspeita, Arruda caiu nas graças de Corrêa ao dar posse a um subordinado do ex-diretor-geral. Eleito Queiroz, o ex-diretor da federal correu para emplacar Lorenz. Ao saber das relações anteriores de Corrêa, o governador petista ficou desconfiado.

Mas a gota d’água foi a publicação, em 6 de abril, de uma “reportagem” na revista Veja sobre uma suposta rede de terrorismo na região de Foz do Iguaçu, no Paraná. Lorenz é o principal suspeito de ter vazado os documentos da PF relativos a uma investigação na região, de 2009, tocada pela Divisão de Inteligência, então chefiada por ele. Suspeita-se que Lorenz também tenha sido a fonte que vazou à Folha de S.Paulo a existência de uma investigação contra o banqueiro Daniel Dantas. O vazamento obrigou o delegado Protógenes Queiroz a apressar o que viria a ser a Satiagraha. O secretário deixou a pasta na semana seguinte à publicação da “reportagem” da Veja.

Em 17 de abril, dois dias antes de Lorenz pedir demissão, cerca de mil pessoas fizeram uma manifestação em Foz do Iguaçu, na sede da Sociedade Beneficente Islâmica, em repúdio ao texto da semanal da Editora Abril. O ato contou com a presença das principais lideranças islâmicas da região, entre elas o xeque sunita Mohsin Al-Husseini e o xeque xiita Mohamed Khalil. Ambos condenaram a tentativa de demonização da comunidade árabe no Brasil e nos países vizinhos e apontaram a CIA como a principal fomentadora desse movimento, sobretudo na mídia brasileira.

A comunidade árabe afirma que a CIA reservou 1 bilhão de dólares para financiar o sistema de difamação da religião islâmica desde os atentados de 11 de setembro de 2001. Para o Brasil, de acordo com levantamento feito pela Federação Árabe-Palestina, apenas em 2011, a verba prevista para a mídia local, vinda dos cofres da agência de inteligência dos Estados Unidos, seria de 120 milhões de dólares.

Teoria conspiratória? De acordo com documentos da diplomacia dos EUA vazados recentemente pelo WikiLeaks, o Departamento de Estado norte-americano montou uma poderosa estratégia de financiamento da mídia para difamar a religião muçulmana e, em outra linha, garantir a impunidade daqueles que o fizerem. Para tal, diz o despacho, seria necessária “uma campanha mais intensa pela mídia e mobilizando comunidades religiosas a favor de não se punir quem difame religiões”. E, mais adiante, aponta parceiros: “Grandes veículos de imprensa, como O Estado de S. Paulo e O Globo, além da revista Veja, podem dedicar-se a informar sobre os riscos que podem advir de se punir quem difame religiões, sobretudo entre a elite do País”.

Um segundo despacho reforça a suspeita da comunidade árabe: “Essa embaixada tem obtido significativo sucesso em implantar entrevistas encomendadas a jornalistas, com altos funcionários do governo dos EUA e intelectuais respeitados”. Além disso, propõe que visitas ao Brasil de “altos funcionários do governo dos EUA seriam excelente oportunidade para pautar a questão para a imprensa brasileira”. À época desse comunicado, a Organização das Nações Unidas estava para votar uma resolução que condenava a difamação de religiões. Os Estados Unidos eram contra. No dia 26 de março de 2009, a ONU aprovou a resolução e considerou o ato como uma violação dos direitos humanos.

Em abril do mesmo 2009, Lorenz, então chefe da Inteligência da PF, foi a uma audiência pública na Câmara dos Deputados para revelar a suposta existência de terroristas na Tríplice Fronteira. Aos deputados ele acusou o libanês Khaled Hussein Ali, dono de uma lan house em São Paulo, que chegou a ser preso sob a acusação de “propagar ideias racistas” na internet, de ter ligações com a Al-Qaeda. Segundo Lorenz, Ali utilizava a rede para recrutar e treinar militantes em outros países, além de dar apoio logístico e fazer reconhecimento de potenciais alvos terroristas. Curiosamente, Ali é o personagem principal da capa recente da Veja, onde aparece como coordenador da Jihad Media Battalion, que seria uma espécie de serviço de divulgação de comunicados da Al-Qaeda. Lorenz havia se referido ao mesmíssimo tema na audiência pública na Câmara.

A obsessão do delegado com terroristas árabes só se iguala a seu alinhamento com as doutrinas antiterroristas disseminadas pela CIA e pelo FBI mundo afora. Antes de sair da secretaria do DF, ele havia firmado um acordo de cooperação com o Grupo Especial de Operações da Espanha, tropa de elite de combate ao terrorismo, para treinar 20 policiais brasilienses. Outros 20 policiais foram escalados para treinamentos nos EUA, em Israel e na Colômbia, onde, aliás, Lorenz ocupou o posto de adido policial antes de assumir a secretaria.

“Não há terroristas entre a comunidade árabe brasileira, mas, sim, dentro de setores da imprensa”, dispara o hoje deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP). Queiroz fez parte da equipe da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Decoi) da Polícia Federal que atuou, entre 2000 e 2001, na Tríplice Fronteira. Segundo ele, havia uma miscelânea permanente de serviços de inteligência na região, entre os quais a CIA, o Mossad (de Israel), agências de países do Oriente Médio e a Agência Brasileira de Inteligência. Mas nunca foi provada a existência de terroristas.

O parlamentar acaba de aprovar na Câmara uma Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) para começar a investigar como funciona, e quem financia, o combate ao terrorismo no Brasil. Crime, aliás, que nem sequer é tipificado, apesar de intenso lobby do governo americano a favor. Ele quer saber se a CIA continua a irrigar os cofres da PF com dinheiro, como acontecia até 2009, a partir de depósitos em contas pessoais de delegados e sem nenhum tipo de prestação de contas. A PFC tem a mesma natureza jurídica de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, mas é pouco conhecida no Congresso. Ao contrário de uma CPI, pode ser conduzida apenas por um parlamentar, no caso o próprio Queiroz, com amplos poderes de investigação.

O deputado do PCdoB poderá investigar todas as contas da PF envolvidas no combate ao terrorismo no Brasil, como elas são utilizadas, quem se beneficia desses recursos, quais operações foram feitas ou estão em andamento, e quem são os investigados. Ele foi nomeado para a função pelo presidente da Câmara, Marcos Maia (-PT-RS-), dentro das atribuições da Comissão de Combate ao Crime Organizado. O parlamentar, que sofre 32 processos administrativos na PF por ter comandado a Satiagraha, todos abertos na gestão de Corrêa, poderá convocar o ex-diretor-geral para prestar informações no Congresso. O mesmo deverá acontecer com Lorenz.